Era a
opinião geral no incipiente cenário underground norte-americano,
início de 1980: nunca, nenhuma banda tocou tão alto, tão rápido e
com tanta energia quanto o Hüsker Dü. Eles caíram como um meteoro
rimbaudiano na pacata Minneapolis e, ao longo de seis conturbados
anos, vitaminaram com a sua raiva hardcore a música pop conciliadora
da era Reagan. Mudaram alguns rumos do rock´n´roll. Fulminaram-se
logo após assinarem com uma grande gravadora...
CENÁRIO
: A RAIVA
Era
necessário ser ótimo com o seu instrumento, lotar estádios e ser
lucrativo para merecer a alcunha de músico de rock. Sinal da
arrogância desses tempos. Como nadar contra isso ? Como vencer a
constante batalha contra a obscuridade, a pobreza e a frustração
por não fazer parte da grande alegria hegemônica? A resposta era:
simplesmente não fazer parte ! Cultivar sua independência e raiva.
Uma boa metáfora pode explicar melhor: desprezar as grandes
gravadoras era então combater o otimismo moralizante, conservador e
nacionalista da era Reagan às voltas com a Guerra Fria.
Aos
poucos, os que se aventuraram como inovadores independentes
perceberam ali a possibilidade de uma via alternativa cujos objetivos
eram opostos aos da grande mídia. A liberdade de criação era mais
importante do que uma “criação direcionada” à pasteurização
mercadológica. Era necessário tomar o controle da sua própria
criação, produção, imagem, distribuição e agenda. Formar um
público por menor que fosse a partir das ideias singulares e da
sonoridade agressiva da sua banda. Não se tratava de um
entretenimento e sim da sua vida. Um avanço cultural e não um
simples consumo inofensivo visando tão somente o "business".
TOMAR O
CONTROLE: SER DIFERENTE
A ideia
era simples: “temos algo a dizer sobre toda essa merda
civilizatória que todos chamam "american way of life" Iremos
dizer de alguma forma. Temos que tomar o nosso próprio controle,
fortalecer-nos e simplesmente nos impor a quem quer que seja. Melhor
ainda se houver alguém que nos ouça...” Pronto, era o “Faça
você mesmo” (DIY, do it yourself), a conduta de base da
independência hardcore. Era muito mais do que ter uma banda, era
“tomar o controle”. O Hüsker Dü nunca esqueceu essa essência,
porém, o que fez deles um divisor de águas entre a doutrina punk
dos três acordes e o novo underground que mudaria os rumos do rock
and roll foi curiosamente uma obsessão pelo formato Pop Rock dos
anos 60 – a isso acrescentando um certo intimismo nas letras e um
ataque sonoro sem precedentes. Uma psicodelia intimista e furiosa:
talvez possa ser um esboço do que pretendia o Hüsker Dü.
Dessa
forma, embora difícil, para o Hüsker Dü era necessário abandonar
musicalmente o punk e sua doutrina dos três acordes assim como todo
o seu ethos de comportamento e “compromissos anárquicos”, se a
banda quisesse expandir seus conceitos musicais. Tomar o controle de
verdade era também deixar o berço opressivo do lar, no caso, o
rótulo de banda hardcore; para Bob Mould era uma questão de
honestidade: “Não há nada de errado com as bandas punks
idealistas, mas nunca iríamos jogar bombas ou pichar espaços
públicos, então, porque deveríamos falar sobre essas coisas ? Não
é certo mentir para esses rapazes, não deveríamos enganá-los”.
Porém, o extraordinário no Hüsker Dü tornou-se sua marca: quanto
mais se afastavam do formato e do discurso punk mais enérgica e
raivosa se tornava a música da banda bem como as suas letras cada
vez mais densas e pessoais (nesse aspecto, talvez uma linha direta
vinda dos Buzzcocks). Também a melodia era cada vez mais trabalhada e isso era a herança
do psicodelia pop dos anos 60 da qual tanto Bob Mould quanto Grant
Hart carregavam influências.
O resultado eram shows cada vez mais poderosos. Estratégico era o
efeito gerado pela energia, pelas melodias e fluxo frenético das
canções, propositalmente sem intervalos gerando uma “desorientação”
na audiência, um certo êxtase quando então não lhes restava tempo
para comentar o que tinham acabado de ouvir ou distrair-se entre as
músicas. Assim como seus contemporâneos, o Hüsker Dü tinha nos
shows as ideias para os álbuns e vinha dali, daquele público que
cultivava o cenário independente, a chama para continuar o seu
trabalho nos estúdios de gravação.
QUADROPHENIA PUNK: “ZEN ARCADE”, O AUGE CRIATIVO
Interessante notar que a grande maioria das músicas gravadas pelo
Hüsker Dü, em sua fase independente pelo menos, surgiram em um "take"
apenas, sem serem refeitas ou buriladas. Isso se devia a pura
necessidade de economia de tempo no estúdio, e tempo era o dinheiro
já escassíssimo das turnês para as quais iam quase sempre com um veículo próprio e contando apenas com o próprio esforço na estadia e
divulgação. Assim, a rapidez na sequência das músicas nos shows
refletia na pressa de gravação nos estúdios e no lançamento dos
álbuns: vida frenética, estética frenética.
“Zen Arcade”, obra-prima do Hüsker Dü, foi o segundo LP da
banda, precedido por “Everything Falls Apart” e o EP “Metal
Circus” ambos ainda fundamentalmente obedecendo ao esquematismo
hardcore. “Zen Arcade” foi lançado em 1984 e cumpriu à risca as
expectativas de Bob Mould que dissera antes da concepção do álbum
que a banda faria o disco fundamental da época; deixando o berço
hardcore para ampliar suas ideias rumo a uma nova liberdade mais
afeita a "pop music".
Porém, onde se chegou com “Zen Arcade” foi ainda maior: para
alguns o alargamento das fronteiras do hardcore; para outros o álbum
habitava uma terra ainda inexplorada entre a crueza noise do punk e o
mais melódico e puro pop. O fato é que “Zen Arcade” fez
do Hüsker Dü a banda local de Minneapolis mais conhecida
nacionalmente, alargando seu território de influências sobretudo
pela necessidade de compreensão que o álbum suscitou no público:
desde o mais especializado jornalista até aos simpatizantes e curiosos do que
ocorria nos subterrâneos do rock.
A GRANDE GRAVADORA E O GRANDE OCASO
Seguiu-se para além de “Zen Arcade” a caminhada reveladora do
Hüsker Dü através dos ótimos trabalhos: “New Day Rising” e
“Flip Your Wigs”, ambos lançados em 1985 ainda pela pequena
gravadora SST. Neles a liberdade criativa tão ambicionada foi
desenvolvida plenamente e a banda alcançou seu estilo próprio que
ia desde a agressividade noise da guitarra de Bob Mould aos
vocais e backing vocals divididos e trabalhados por Mould e Hart,
ambos os compositores da banda.
Desde a repercussão de “Zen Arcade” a gravadora Warner vinha
tentando contratar a banda e isso aconteceu apenas quando os termos
do contrato puderam envolver o completo controle criativo pela banda ao longo dos próximos álbuns. E isso ainda era inédito em uma
relação entre uma major e uma banda independente - partiram desse
modelo outras contratações que fizeram bandas obscuras figurarem
nas grandes gravadores ao longo dos anos 80 e 90.
O Hüsker Dü ainda lançaria mais dois álbuns pela Warner, “Candy
Apple Grey” (1986) e o duplo “Warehouse: Songs and History”
(1987). Uma avalanche de problemas ocorreu entre os integrantes da
banda e assessoramento nesses dois anos de Warner: o recrudescimento
de uma rivalidade entre Bob Mould e Grant Hart derivada da omissão
dos direitos de composição de Hart por parte de Mould em alguns
discos, o suicídio do empresário da banda, David Savoy, o pesado
vício em heroína de Grant Hart. Tudo isso refletiu claramente na
banda e suas turnês até então bem organizadas e metodicamente
arquitetadas passaram a contar com o acaso para realizarem-se. Tudo
ruiu em 1987 com a saída de Grant Hart da banda.
LEGADO ?
Mais do que citar bandas influenciadas pelo Hüsker Dü, e
declaradamente são inúmeras, podemos dizer que a principal
influência foi estrutural: foi desvendar o caminho para o trânsito
entre dois mundos até então dissociados, o mundo underground e sua
auto-suficiência (ás vezes aprisionante também) e o mundo das
grandes corporações de entretenimento, não obstante sua voracidade
pelo lucro, também ávido por novidades brilhantes em seu catálogo como foi a banda
Hüsker Dü.
DISCOGRAFIA E DADOS TÉCNICOS
Bob Mould (vocais, guitarra e composição)
Grant Hart (bateria, vocais e composição)
Greg Norton (baixo)
Minneapolis, EUA
ÁLBUNS DE ESTÚDIO:
Everything Falls Apart (1983)
Zen Arcade (1984)
New Day Rising (1985)
Flip Your Wigs (1985)
Candy Apple Grey (1986)
Warehouse: Songs and Stories (1987)
Referências:
"Our band could be your life : Scenes from the American Indie Underground - 1981-1991" Azerrad, Michael
Hüsker Dü Database - Magazine's articles & interviews: http://www.thirdav.com/zinestuff/zinelist.html
DISCOGRAFIA E DADOS TÉCNICOS
Bob Mould (vocais, guitarra e composição)
Grant Hart (bateria, vocais e composição)
Greg Norton (baixo)
Minneapolis, EUA
ÁLBUNS DE ESTÚDIO:
Everything Falls Apart (1983)
Zen Arcade (1984)
New Day Rising (1985)
Flip Your Wigs (1985)
Candy Apple Grey (1986)
Warehouse: Songs and Stories (1987)
Referências:
"Our band could be your life : Scenes from the American Indie Underground - 1981-1991" Azerrad, Michael
Hüsker Dü Database - Magazine's articles & interviews: http://www.thirdav.com/zinestuff/zinelist.html